Um estudo recente revelou que as mortes por suicídio no Brasil aumentaram desde o lançamento da campanha Setembro Amarelo, em 2015, e apresentaram uma aceleração notável nesse crescimento. Os dados analisados, fornecidos pelo DataSUS, mostram que, entre 2000 e 2019, houve 195.047 mortes por suicídio no país, um aumento de 57% em relação aos anos anteriores. Além disso, a pesquisa destaca uma concentração de casos nos meses próximos a setembro, o que levanta questões sobre o impacto da campanha na prevenção.
O estudo, liderado pelo psiquiatra Rodolfo Damiano, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, contou com a colaboração de outras universidades brasileiras e de instituições internacionais, como o Karolinska Institutet, na Suécia, e o Child Mind Institute, dos EUA. Embora os pesquisadores tenham se deparado com um aumento das ocorrências após o lançamento da campanha, eles ressaltam que os dados não permitem estabelecer uma relação causal direta. “Nossos resultados reforçam a necessidade de mais estudos para entender melhor o papel das campanhas de conscientização nas intervenções de redução do suicídio”, diz o estudo, publicado na revista científica Journal of Affective Disorders.
A observação inicial que levou ao estudo surgiu de avaliações clínicas feitas por médicos em pronto-atendimentos, que notaram um aumento nas tentativas de suicídio nos meses de setembro e outubro. Segundo Damiano, o objetivo era entender se havia uma mudança sazonal normal ou se o aumento poderia estar relacionado à campanha de conscientização. No entanto, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antonio Geraldo, em carta pública, rejeitou a ideia de que o Setembro Amarelo possa ser responsável pelo aumento de suicídios. “O suicídio é multifatorial, você não pode pegar um fator e correlacionar”, afirmou Geraldo.
Para Geraldo, o aumento das mortes por suicídio pode estar relacionado a fatores como o maior consumo de álcool e drogas, a exposição excessiva a redes sociais e a redução no número de leitos psiquiátricos disponíveis no país. Ele também acredita que a maior conscientização promovida pela campanha pode ter reduzido a subnotificação de casos, um fator considerado no estudo. Tanto Damiano quanto Geraldo concordam que o atendimento à saúde mental no Brasil carece de melhorias significativas, especialmente no sistema público.
O estudo ressalta que, em países de baixa e média renda, como o Brasil, campanhas de conscientização sem uma estrutura adequada de atendimento à saúde mental podem aumentar o sentimento de desesperança. “Se não houver esforços claros para incentivar a busca de ajuda e fortalecer a estrutura de atendimento, o problema pode se agravar ao invés de ser mitigado”, afirmou Damiano. Em resposta, o Ministério da Saúde divulgou que aumentou o orçamento destinado à saúde mental em 53% em 2024, totalizando R$ 4,7 bilhões, além de habilitar 98 novos pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
O ministério também informou a rearticulação do Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio e o lançamento do guia “Viver a Vida”, voltado para a prevenção ao suicídio. A ampliação da oferta de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e a revisão da ficha de notificação de violência autoprovocada são outras medidas adotadas para aprimorar a resposta dos serviços de saúde mental.
Apesar das críticas e dos desafios, Damiano destacou a importância do Setembro Amarelo como uma ferramenta de conscientização, mas defende que a campanha precisa ser reformulada para atingir seu objetivo de forma mais eficaz. O estudo aponta para a necessidade de equilibrar campanhas de conscientização com ações práticas e a melhoria da infraestrutura de atendimento, evitando que a população seja apenas exposta a informações sem suporte adequado.